Maternidade não define a mulher: é necessário repensar a parentalidade e liberdade de escolha

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Um olhar psicanalítico e cultural sobre o direito e o desejo de ser ou não mãe, sem culpa e sem imposições sociais

Por Daniela Branco

Crescemos a ouvir que ser mulher era sinónimo de ser mãe. Brincávamos com bonecas antes de perceber o que era um corpo. Recebíamos panelinhas antes mesmo de saber ao que realmente gostávamos de brincar. A maternidade foi sendo vendida como destino, missão, prova de amor – como se bastasse parir para sermos completas. Mas a verdade é que nem todas as mulheres desejam a maternidade, e isso não as torna menos mulheres. Vera Iaconelli, psicanalista que há décadas escuta mães e filhos, afirma: “A maternidade não é instinto, é função.” Ou seja, não nasce com o corpo. Constrói-se (ou não) a partir do desejo.

O desejo, para a psicanálise, não é aquilo que agrada aos outros, mas sim o que sustenta a singularidade de uma pessoa. Há mulheres que desejam ser mães com todo o corpo. Há mulheres que desejam não o ser. E há mulheres que ainda não sabem – e está tudo bem. O problema não é a maternidade, mas sim quando esta é tratada como a única forma legítima de ser mulher. Quando a mulher que não quer ter filhos é chamada de egoísta, vazia ou “ainda imatura”, instalam-se dúvidas: “Será que é uma escolha acertada?” “Devo congelar os óvulos?” “E se hoje não quero e amanhã me arrepender?” A quem pertencem, afinal, estas dúvidas? Muitas preferem não falar sobre o assunto. E é quando o silêncio de uma mulher passa a ser interpretado como arrependimento, e não como escolha.

O resultado? Mulheres sobrecarregadas e silenciosamente esgotadas. Projetamos sobre pais e, especialmente, sobre mães, a tarefa impossível de garantir um desenvolvimento emocional perfeito. Como se existisse um “manual” para formar subjetividades. A prática clínica mostra que não há fórmula. O que existe são laços. E, mais profundamente, a escuta: das dores, dos impasses, das faltas. Daquilo que se pode transmitir e daquilo que inevitavelmente escapa.

A psicanálise convida-nos a olhar para a parentalidade como algo contingente, atravessado por questões de género, classe, raça e cultura. Cuidadores não são neutros. Filhos não nascem iguais. A experiência de nascer negro ou indígena, por exemplo, dá-se num campo de fenómenos radicalmente diferente do de uma criança branca, fora de contextos de vulnerabilidade.

O que acontece quando uma mulher não quer ou não pode ser mãe? É vista como menos mulher? Menos completa?

Tropeços e improvisos
Na minha escuta clínica com mães, pais, cuidadores e cuidadoras, tenho percebido o quanto as idealizações sobre o “bom cuidador” deixam marcas profundas. E o quanto, muitas vezes, o que mais adoece não é o cansaço, mas a solidão. A sensação de que ninguém vê o que se faz. De que não se pode errar. De que não se pode parar. Pensar a parentalidade para lá da idealização é abrir espaço para as falhas, os tropeços, os improvisos. É reconhecer que cuidar também é estar em risco – e que só se atravessa esse risco se houver espaço para escuta e para apoio.

Ser mulher é dar à luz a si mesma
Na Girls on Board, acreditamos em corpos que se movem com desejo. Com desejo de gerar filhos, livros, viagens, liberdade. Com desejo de estar inteira, e não apenas encaixada. Porque ser mulher não é parir. Ser mulher não é sinónimo de ser mãe. É sinónimo de habitar o próprio corpo com desejo (seja ele qual for). De escolher o próprio caminho. É liberdade encarnada. É ser autora da própria história. É ser presença que escolhe e, sobretudo, é dar à luz a si mesma.

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